sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Dinastia Destino

Aconselhado por um leitor, li o conto "A loteria da Babilônia", de Jorge Luis Borges. Inspirado pela idéia do texto (e sem sono às 5 da manhã!), resolvi escrever uma história mais simples, mais curta e pior do que a original, mas com foco no assunto trabalho:

Em uma era distante, existiu um próspero povo socialista que vivia ilhado, sem saber o que se passava no resto do mundo. O Rei Desinto I acumulava a função de deus e tinha total adoração de seus súditos, que gozavam de uma saúde que lhes permitia muitos séculos de vida.
Como a ilha era pequena, logo a agricultura e a pesca, que alimentavam a nação, passariam a ser insuficientes para sustentar a sempre crescente população. Preocupado com o futuro de seu povo, o rei consultou seus sábios para encontrar uma solução para tal problema. Sem haver possibilidade de aumentar a produção de comida, os sábios concluíram que o número de pessoas não poderia aumentar. Sem o conhecimento de métodos contraceptivos e com um alto número de filhos por casal, deveria haver uma morte para cada nascimento, a fim de manter a população constante. Destino I então resolveu que entre dois nascimentos, alguém deveria sempre morrer. Como isso não acontecia espontaneamente, pessoas seriam sacrificadas. Com seu conceito de justiça, o rei decretou que o preso mais velho seria sempre o sacrificado a cada nova vida que surgisse.
E com o total apoio do seu povo, os sacrifícios começaram a acontecer. Assim que a barriga de uma mulher fosse diagnosticada como gravidez, o preso mais velho da ilha receberia o aviso de seus 6 meses de vida, e já ganhava uma data para sua execução. Se ninguém morrese de outra forma durante o período, ele seria sacrificado, caso contrário, ficaria vivo até outra gestação.
O Rei Destino I morreu, e seu filho, Destino II, assumiu a coroa e se deparou com um grande problema. Como o número de nascimentos era muito maior do que o de mortes não forçadas, logo os presos estariam acabando. O jovem rei, no seu conceito de justiça, decretou que a lei valeria também para os habitantes livres, e o morador mais velho da ilha deveria ser o sacrificado, se não houvesse uma morte entre dois nascimentos. A única exceção seria a própria família real. O povo, ainda fiel ao rei, acatou sua decisão, acreditando ser a mais justa. A nova ordem então passou a ser executada, e a média de idade dos condenados ficou estável em um valor entre os 75 e 80 anos de idade. Como se trabalhava até a morte, os cidadão que recebiam o aviso de 6 meses começaram a largar o trabalho. Eles aproveitavam aquele período passando o dia fazendo as coisas que lhes faziam felizes. Uns se entretiam em jogos, outros em conversas com amigos, outros conteplavam a natureza, faziam arte, ou estudavam suas áreas de interesse.
Mas um dia o rei Destino II morreu, deixando para seu filho um problema ainda maior. O rei Destino III observou que essa diminuição de seis meses no tempo de trabalho por pessoa levou à desestabilização da frágil economia socialista. Para amenizar o problema, o rei diminuiu para 1 semana a antecedência do aviso de morte, garantindo os últimos seis meses de produção de cada trabalhador.
Destino III morreu e deixou empasse para seu filho Destino IV. Como as gestações eram numerosas e simultâneas, as pessoas mais velhas do reino começaram a desconfiar que sua hora estava próxima, quando se aproximavam dos 70 anos de idade, e continuaram a largar o trabalho, mesmo antes da condenação, para aproveitar a vida, e o problema econômico voltou. Então o rei decretou que só as pessoas que tivessem trabalhado até os 75 anos poderiam largar o trabalho e aproveitar a vida esperando sua condenação.
Com a chegada ao poder de Destino V, ele notou que algumas condenações aconteciam antes dos 75, e que os súditos não estavam gostando do risco de morrer antes de parar de trabalhar, sem ter aproveitado a vida como queriam. Então o rei resolveu aumentar a carga horária de 6 para 8 horas diárias, para o povo poder largar o trabalho aos 60 anos.
Com o problema resolvido, Destino V então, na função de deus, resolveu voltar para o céu, sem deixar descendentes. Com o advento da navegação, o povo da ilha se espalhou pelo mundo e, mil gerações depois, ainda discute a existência remota da dinastia Destino, e sua condenação passou a ser chamada de morte natural.

Pensamento da hora:
"Nem sempre o rei acerta quem é o mais velho."

Abs do Vaps

Nenhum comentário: